ITAGUAÍ - Antonio Marcos Barreto, secretário de Meio Ambiente de Mangaratiba, é pai de Shayene Figueiredo Barreto, secretária de Meio Ambiente e Planejamento de Itaguaí. O fato foi mencionado pelo presidente da Câmara Municipal de Itaguaí, Haroldo Jesus (PV), na tumultuada sessão legislativa de terça-feira (27), em um contexto sobre as recentes incursões das prefeituras dos dois municípios em importantes empresas instaladas nos seus territórios. No caso, a Vale, o Porto Sudeste e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Shayene e equipe foram à Câmara conversar com os vereadores, mas o encontro ocorreu depois da sessão, em caráter informal e fechado à imprensa.
Haroldo assinou e submeteu ao plenário um Requerimento de Informações (número 27/2021) sobre a interdição dos terminais da CSN-Tecar e Sepetiba-Tecon feita pela secretaria municipal de Ambiente de Itaguaí no dia 16 de março. No mesmo dia, os terminais foram desinterditados, depois de ação do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que a prefeitura considerou um “acordo de cooperação”. O presidente do Instituto - Philipe Campello, deslocou-se ainda na noite do dia 16 de março para Itaguaí com o diretor de Pós-Licença da Diretoria de Recuperação Ambiental (Dipos) - Fabio Costa, para reunirem-se com o prefeito Rubem Vieira e a secretária Shayene Barreto para proceder à desinterdição. A reunião foi registrada em postagem da prefeitura na página que mantém na rede social Facebook, nos primeiros minutos do dia 17 (00h13).
O Requerimento traz as seguintes perguntas: Quais irregularidades a Secretaria de Ambiente identificou que motivaram a interdição dos terminais da CSN em 16 de abril? A CSN foi notificada antes da interdição, com prazo para sanar os problemas constatados na vistoria? Quanto o município deixaria de arrecadar por dia em impostos com a interdição? A secretaria consultou o Inea antes da interdição? Que informações o Inea apresentou ao município que motivaram a desinterdição? As multas foram mantidas após a desinterdição? A CSN apresentou recurso?
O Requerimento 27, porém, foi rejeitado por seis dos 10 vereadores com poder de voto: Jocimar do Cartório (PTC), Guilherme Farias (PL), Gil Torres (PSL), Vinicius Alves (Republicanos), Fábio Rocha (PL) e Sandro da Hermínio (PP).
DIAS DEPOIS DA CSN E DO PORTO SUDESTE, A VALE
O presidente da Câmara, em resposta ao líder do governo, disse que o Requerimento era necessário e mencionou o parentesco entre os secretários de Itaguaí e do município vizinho, Mangaratiba: “Há uma ligação entre a prefeitura de Mangaratiba e a prefeitura de Itaguaí. Um dia foram no Porto Sudeste, outro dia foram na Vale. Acho que isso deve ser esclarecido de forma oficial”.
Do que se pode depreender do Requerimento e da fala de Haroldo na sessão legislativa, o presidente sugere que o parentesco entre os secretários e as ações empreendidas nas empresas podem ser fruto de uma mesma lógica entre os órgãos ambientais municipais das duas cidades, e que ambas podem ocasionar prejuízo por ameaçar atividades que são importantes fontes de receita para os cofres municipais.
Em uma linha do tempo, as ações empreendidas pelas secretarias comandadas pelos Barreto são as seguintes:
- Terminais da CSN no Porto de Itaguaí: interdição e multa (16 de março)
- Porto Sudeste, em Itaguaí: advertência e multa (20 de abril)
- Vale, em Mangaratiba: interdição e multa (22 de abril)
Para Haroldo, as ações podem ter sido orquestradas por pai e filha de modo a desconsiderar procedimentos que ferem o direito das empresas de se adequarem ou mesmo responderem às investidas das secretarias.
Nesta quinta-feira (29), a Prefeitura de Itaguaí multou, após inspeção e vistoria realizada pela Secretaria Municipal do Ambiente e Sustentabilidade, a Companhia Portuária Baía de Sepetiba (CPBS), subsidiária da Vale, em R$ 2.383.000,00 por diversas irregularidades ambientais. Desde 2002 a Vale passou a gerenciar o terminal.
EM MANGARATIBA, DISPUTA COM A VALE
Já faz algum tempo que a secretaria de Ambiente de Mangaratiba, sob a gestão de Antonio Barreto, executa ações na empresa Vale, que mantém o Terminal Ilha Guaíba no município.
Em janeiro de 2019, a prefeitura multou a mineradora em R$ 20 milhões. Em março do mesmo ano, nova operação, que resultou em interdição. Em maio de 2020, o prefeito Alan Costa bloqueou a passagem de trem em protesto contra a empresa. Há uma disputa judicial, desde 2013, em relação ao pagamento de impostos. Em abril de 2021, nova interdição e multa.
Na página da prefeitura de Mangaratiba há uma matéria com fala do secretário Barreto: “Desde 2019 a Vale vem sendo autuada. No total, o valor das multas já chega perto de R$ 100 milhões. Algum deles estão com a exigibilidade suspensa em razão da ação judicial. Porém, não podemos aceitar que a Vale continue agindo de forma indiscriminada contra o meio ambiente. Queremos desenvolvimento, mas que ele seja sustentável”.
Shayene, a filha, disse algo parecido quando foi entrevistada pela TV Globo na porta do Porto Sudeste, na ocasião em que a empresa foi autuada: “Estamos inclinados a fazer com que haja crescimento econômico, mas sem acabar com a nossa natureza. Temos hoje em Itaguaí uma secretaria 100% técnica e atuante, que vai trabalhar duro para que essas empresas parem de destruir a nossa natureza, parem de prejudicar a vida humana e a vida dos pescadores”.
SECRETÁRIA VAI À CÂMARA; COMISSÃO VAI MARCAR AUDIÊNCIA PÚBLICA
Foi o líder de governo na CMI, vereador Gil Torres, quem anunciou a presença da secretária Shayene na sede do poder legislativo, em um dos embates que marcou a sessão da última terça-feira. Para Torres, os Requerimentos de informação são desnecessários, pois, na sua visão, o governo é transparente; e o prefeito, acessível. No lugar de providenciar uma resposta ao Requerimento 27 (que ainda nem havia sido votado), o líder anunciou que a secretária estaria à disposição dos parlamentares no seu gabinete depois da sessão.
Porém, devido ao número de pessoas que acompanhou a secretária, houve um certo desconforto quanto às garantias de segurança sanitária. Em vez do gabinete do vereador Gil Torres, a reunião aconteceu, então, em uma sala de reuniões no térreo e nos fundos da Câmara, que ficou lotada. O presidente Haroldo Jesus e outros vereadores receberam e ouviram Shayene Barreto.
Segundo uma fonte da Câmara que participou do encontro, a conversa foi breve, e a secretária teria afirmado que as empresas deveriam ter contratado uma consultoria para evitar a interdição e as autuações.
A mesma fonte informou que já está em andamento a preparação de um pedido de audiência pública sobre o assunto, a ser comandada pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara, hoje sob a presidência do vereador José Domingos (PTB). Ainda não há datas marcadas para a instauração do procedimento.
SHAYENE NÃO ATENDE, ANTONIO RESPONDE
O DIA tentou entrevistar a secretária de Ambiente de Itaguaí mais de uma vez. O último pedido de entrevista, feito por e-mail, foi no dia 27 de abril. Até o momento não houve resposta.
Marco Antonio Barreto (de pé e de óculos) em uma das autuações da Vale: governo de Mangaratiba tem relação conflituosa com a empresa - Reprodução internet - site da Prefeitura de Mangaratiba
O secretário de Ambiente de Mangaratiba, Antonio Marcos Barreto, respondeu as seguintes perguntas:
O secretário opina no trabalho de sua filha em Itaguaí? Ela lhe pede conselhos?
A Secretária Shayene Barreto é técnica, gestora, tem registro no Conselho Regional de Química, é muito capaz. Como pai e também gestor da área ambiental, opino quando sou provocado.
Há alguma relação entre os trabalhos das secretarias de Ambiente de Itaguaí e Mangaratiba?
Sim. Sãos órgãos distintos, mas cooperados tecnicamente, como manda o princípio do Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente).
O secretário já visitou a secretaria de Ambiente de Itaguaí? Sua filha já fez o mesmo em Mangaratiba? Em caso positivo, quando e quantas vezes?
Sim. Tanto ela quanto eu, na medida do possível, visitamos um ao outro.
Em que medida o senhor participa do trabalho de Shayene?
Aconselho e ajudo quando sou solicitado.
Quando o secretário ficou sabendo da interdição dos terminais da CSN no Porto de Itaguaí?
Após ter acesso aos pareceres técnicos e jurídicos.
O secretário acha que as ações da secretaria de Ambiente de Mangaratiba podem ser prejudiciais à arrecadação de impostos ou comprometer a empregabilidade local?
Com todo respeito, se a secretaria municipal de meio ambiente de Mariana ou Brumadinho em MG tivessem essa metodologia de trabalho, certamente que além de garantir a empregabilidade local e o avanço econômico, muitas vidas seriam poupadas. Sou incentivador do desenvolvimento sustentável.
Via: O Dia